Bancos de dados e execuções fiscais

Por Marcelo de Lima Castro Diniz

A Lei Complementar nº 104, de 2001, modificou a regra do sigilo fiscal  (artigo 198, do CTN), de modo que “não é vedada a divulgação de informações  relativas a representações fiscais para fins penais, inscrições em dívida ativa  da Fazenda Pública e parcelamento ou moratória”. Depois disso, sobreveio a Lei  nº 10.522, de 2002, que instituiu o Cadastro Informativo de créditos não  quitados do Setor Público Federal (Cadin), considerado constitucional pelo  Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão não unânime, por se tratar de  cadastro público e com regime jurídico específico (ADI 1454-4).

Com a criação da Receita Federal do Brasil pela Lei nº 11.457, de 2007, o  direito tributário brasileiro passou a cogitar da possibilidade de a Fazenda  Nacional celebrar convênio com entidades públicas e privadas para divulgação de  informações não protegidas pelo sigilo fiscal, especificamente a dívida ativa e  parcelamentos. Embora ausente o referido convênio, entidades que atuam para  proteger o crédito têm defendido a possibilidade de anotação em seus cadastros e  bancos de dados no tocante a execuções fiscais tributárias, sob o fundamento de  que as informações são obtidas por meio de fontes oficiais (distribuidores  judiciais, diários oficiais etc.). Além disso, sustentam que o artigo 43, da Lei  nº 8.078, de 1990, não proíbe a anotação de execuções decorrentes da  inadimplência fiscal.

A afirmação de que as informações são públicas não autoriza a conclusão de  que as entidades de proteção ao crédito possam utilizá-las para criar um  verdadeiro “tribunal de exceção”, mediante o qual a entidade seleciona  arbitrariamente a dívida e o devedor e também decide se o exclui ou não,  conforme seus próprios critérios. A ausência de convênio parece infirmar  qualquer possibilidade dos serviços de proteção ao crédito conferirem  publicidade às execuções fiscais tributárias, com base no princípio da segurança  e proteção ao sistema de crédito brasileiro. O direito de negativar o devedor  não pertence à sociedade como um todo ou mesmo ao sistema de proteção ao  crédito, mas sim ao próprio credor.

Os contribuintes não possuem o dever constitucional  de ter empresas saudáveis

Importante lembrar a esse propósito que o crédito tributário federal já é  tutelado pela legislação que rege o Cadin, a qual dispõe de regime jurídico  próprio, inclusive com regras específicas sobre o direito à prévia notificação e  situações que dão ensejo à suspensão do registro no cadastro, que são  ajuizamento de ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu  valor, com oferecimento de garantia idônea e suficiente ao juízo, na forma da  lei, ou suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Além disso, o direito  tributário já municia a Fazenda Pública de poderoso instrumento para proteção  dos seus interesses, na medida em que inúmeros negócios jurídicos dependem de  certidão de regularidade fiscal para que possam validamente ser celebrados.

A possibilidade de divulgação da dívida ativa tributária deve ser  compreendida no âmbito do regime jurídico do direito tributário. Do contrário,  estaria autorizada a divulgação de listas de devedores em veículos de  comunicação, ranking de grandes devedores, o que não se revela correto frente ao  que dispõe a Constituição Federal, que tutela a dignidade das pessoas com  relação à sua intimidade, vida privada e imagem, assegurada indenização por dano  material ou moral (artigo 5º, X, CF/88). Ainda que tenha sido mitigado o sigilo  fiscal, a possibilidade de divulgação de informações a respeito da dívida ativa  tributária está vinculada ao direito de petição e certidão.

Há, enfim, evidente desvio de finalidade no que concerne ao uso do Código de  Defesa do Consumidor para tornar pública a inadimplência fiscal, uma vez que as  respectivas regras são voltadas às relações jurídicas entre fornecedores e  consumidores. Importam aos bancos de dados e cadastros de proteção ao crédito  informações a respeito do devedor enquanto consumidor, não na qualidade de  contribuinte.

A matéria de fundo não é nova para o STF. Apesar de antigas, continuam atuais  as súmulas 70, 323 e 547, as quais sintetizam a vedação das sanções políticas. O  STF tem reiteradamente decidido que é vedada a utilização de práticas oblíquas e  enviesadas que visam “em última análise, a constranger o devedor a satisfazer  débitos fiscais que sobre ele incidam” (ADI 173/DF, relator ministro Celso de  Mello). As sanções políticas também são inconstitucionais, porque os  contribuintes não têm o dever constitucional de ter empresas saudáveis e  negócios bem-sucedidos e rentáveis, embora tenham assegurada a liberdade de  trabalho, profissão e ofício, em regime de livre concorrência. É o que se infere  do voto do Ministro Joaquim Barbosa: “A Constituição não contém nenhuma  disposição que obrigue o cidadão a ter sucesso econômico ou profissional.” (AgR  RE 370.212/RS).

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Marcelo de Lima Castro Diniz é doutor em direito pela PUC-SP, mestre  em direito negocial pela UEL, membro do Instituto de Direito Tributário de  Londrina, professor do IBET e PUC-Londrina.

via http://www.noticiasfiscais.com.br/2013/02/26/bancos-de-dados-e-execucoes-fiscais/

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